
Profa. Dra. Luciane Gargaglioni sempre soube o que queria: ser bióloga. O que começou como uma paixão por animais ainda na infância evoluiu para uma carreira sólida na ciência, com descobertas importantes na área de fisiologia comparada, neurociência e controle respiratório. Neste artigo, te convidamos a conhecer a trajetória e os aprendizados dessa pesquisadora que hoje lidera um grupo na Unesp de Jaboticabal e inspira jovens cientistas.
O Início de Tudo
Durante a graduação em Ciências Biológicas na USP de Ribeirão Preto, Luciane mergulhou no universo da zoologia de vertebrados. Ainda no segundo ano, já realizava trabalhos de campo e concluiu sua monografia estudando morcegos na Reserva Florestal de Luís Antônio, a maior reserva de cerrado do estado de São Paulo.
“Eu sempre quis ser bióloga desde pequena [...] eu sempre tive certeza do que eu queria.”
Após uma breve experiência como professora no ensino médio, Luciane decidiu seguir na pesquisa científica. Durante o mestrado, começou a estudar o comportamento defensivo de anfíbios — mais especificamente a imobilidade tônica (ou tanatose), uma estratégia de fingir-se de morto diante de predadores.
Sua curiosidade pela fisiologia a levou ao doutorado com foco no sistema respiratório de anfíbios, particularmente o fenômeno da respiração episódica — bem diferente da respiração contínua dos mamíferos. Um doutorado sanduíche na University of British Columbia, no Canadá, ampliou suas experiências e consolidou sua atuação em neurofisiologia.
Pesquisa comparada
Com as grandes descobertas com anfíbios, chegou o momento de expandir seu conhecimento, explorando novos caminhos na ciência ao realizar pós-doutorado com roedores, estudando a neurotransmissão serotoninérgica em respostas térmicas e respiratórias. Essa fase foi fundamental para diversificar seu conhecimento e prepará-la para concursos na área de fisiologia geral.
“Eu comecei a fazer um pós-doutorado trabalhando com a parte de neurotransmissão da serotonina, envolvimento dessa neurotransmissão serotoninérgica em respostas termorreguladoras e também respiratórias em roedores.”
Ao assumir seu cargo como docente na Unesp de Jaboticabal, Luciane fundou seu próprio laboratório e rapidamente atraiu financiamento da Fapesp como Jovem Pesquisadora. Com o apoio da equipe, realizou descobertas inéditas, como a importância do locus coeruleus na resposta ao CO₂ em anfíbios e mamíferos.
“O nosso grupo foi o primeiro do mundo a mostrar que essa região é importante para a resposta ao CO₂ em anfíbios. Também fomos os primeiros a demonstrar que essa região é importante para resposta ventilatória ao CO₂ em ratos”

Inovação Tecnológica: Sistema Kaha
Após um ano na França, no CNRS, trabalhando com respiração de embrião, aprendendo técnicas diferentes, registros de neurônios em embrião, diferentes trabalhos de tracejamento viral para ver conexões entre as regiões do encéfalo, chegou o momento de voltar para o Brasil e aplicar todo seu conhecimento.
Enquanto trabalhava com ratos, que são animais mais calmos, era possível adquirir os dados através de eletrodos e monitorá-los. O desafio começou quando se iniciou os estudos com camundongos.
O estudo então agora era para entender o ciclo sono vigília juntamente com os registros de respiração em animais transgênicos, modelo mais comum em camundongos do que ratos.
“Surgiu o desafio porque para camundongo, para você colocar os eletrodos né, e colocar o animal ali na caixa ficava muito pesado e a gente estava buscando alternativas.”
A busca por melhores dados experimentais levou o grupo de Luciane a adotar o sistema de Telemetria Kaha para monitoramento eletrofisiológico em camundongos. A tecnologia resolveu um desafio comum: o incômodo e a limitação dos fios nos animais.
“Foi aí que a gente se deparou com o sistema Kaha da ADInstruments, que seria uma alternativa interessante para gente porque é um sistema sem fio, wireless, o animal pode se movimentar livremente na câmara. Então como a gente está interessado em respiração, ciclo sono vigília e avaliar o comportamento do animal, se o animal tiver com muitos fios isso atrapalha demais. Então a gente começou a implementar aqui no laboratório esse sistema.”

Diversidade de Modelos e Abordagens
Atualmente além de roedores, o grupo também estuda aves mergulhadoras, peixes de caverna e neonatos, sempre com foco em adaptações fisiológicas e respiratórias em contextos ambientais e evolutivos. A abordagem ampla une o interesse em fisiologia comparada e pesquisa translacional.
Resultados Relevantes e Colaborações
Luciane coordena pesquisas com grande impacto, como o estudo com camundongos transgênicos sem noradrenalina no locus ceruleus. Nessas condições, a resposta de pânico aos estímulos com CO₂ foi completamente abolida — uma descoberta promissora para a área de saúde mental.
Uma parceria recente com pesquisadores da UFRJ comparou o efeito de anti-inflamatórios em humanos e camundongos, revelando que a droga teve efeitos tão eficazes quanto os ansiolíticos tradicionais.
“Foi uma parceria muito interessante entre a parte clínica e a pré-clínica.”

Desafios e Bastidores da Pesquisa
Do improviso na anestesia de cágados até a diferença de comportamento entre ratos e camundongos, a rotina no laboratório exige criatividade. Além disso, as dificuldades logísticas da pesquisa no Brasil, como a burocracia na importação de insumos, exigem planejamento constante.
“Por outro ponto, antes eu só estudava ratos, a transição de ratos para camundongos é bem diferente. O rato é muito mais calminho, muito mais tranquilo de estudar, camundongo sim, são animais assim que não param e para você ter um registro bom de ventilação é difícil. Então você tem que ter um animal calmo na caixa, todo o ambiente isolado acusticamente.”
Uma História Engraçada de Laboratório
Nem tudo é seriedade no laboratório. Luciane relembra o dia em que uma aluna quase provocou um acidente ao ligar a autoclave sem água, resultando na queima de todos os eletrodos importados. “O laboratório parecia que estava com gelo seco”, contou, rindo.
Olhando para o Futuro
Com o encerramento próximo de seu projeto temático, Luciane já pensa nos próximos passos: estudar os efeitos de inflamação e cuidado materno sobre o desenvolvimento respiratório da prole. Novas ideias e colaborações estão sendo planejadas.
Embora hoje atue com outros modelos, Luciane nunca esqueceu seu interesse por morcegos, especialmente seu comportamento de torpor. Quem sabe esse grupo volte a ser foco de suas pesquisas?
“Eu ainda tenho várias perguntas sobre eles. Acho que um dia vou voltar.”
A trajetória da professora Luciane mostra como a paixão pela ciência, aliada à curiosidade e à resiliência, pode gerar contribuições relevantes e inspirar novas gerações.
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